SELMA SILVA Repórter
VALTÊNIO SPÍNDOLA
A pirataria, comum na indústria cultural, principalmente com a reprodução de CDs e DVDs, atinge também o sistema de radiodifusão. Em Uberlândia, dados extra-oficiais apontam para a existência de mais de 30 rádios clandestinas espalhadas pela cidade. São estações instaladas em diversos bairros e até em edifícios comerciais da região central, que não possuem autorização para funcionar.
O fato preocupa representantes das rádios comerciais, por causa dos prejuízos gerados a estas emissoras, entre eles, a interferência no sinal, e chama a atenção da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), responsável por fiscalizar os crimes contra o serviço de radiodifusão. Em fevereiro deste ano, numa operação em conjunto com a Polícia Federal, a Agência fechou quatro rádios piratas que funcionam num mesmo prédio, no Centro da cidade.
Para o diretor regional da Rede Itatiaia, Cláudio Luiz Nunes, o foco das preocupações não é a competição pela audiência do público; mas, sim, a comercialização de espaço publicitário e a influência na qualidade do sinal das rádios legalizadas. "A faixa de FM de Uberlândia é muito poluída. Os ouvintes têm dificuldade para sintonizar", destacou.
O diretor artístico da Rádio Paranaíba FM, Luiz Antonio Pedreira, também salientou os danos causados pelas emissoras clandestinas. "Somos uma rádio oficial, com dificuldades para cumprir as obrigações legais, como pagar os impostos. Para estes que trabalham de maneira ilegal é muito mais fácil", salientou, referindo-se à concorrência desleal na captação de anunciantes. Sem ter ônus como os tributos e encargos trabalhistas, as emissoras clandestinas vendem seus espaços a preços muito baixos, em relação às rádios comerciais.
Luiz Antonio Pedreira ressaltou também os problemas registrados num ponto "vital" para a rádio, que é o sinal. Segundo ele, certa vez, ouvintes do bairro Luizote de Freitas ligaram para a rádio reclamando que não estavam conseguindo sintonizar a emissora. Na mesma freqüência (100,7 Mhz) aparecia uma rádio clandestina.
Fiscalização
Por meio da assessoria de comunicação, a Anatel admite que a prática do crime de pirataria na radiodifusão tem alguns aliados. Um deles é a simplicidade do processo de montagem de uma emissora de rádio. Com um pequeno espaço físico e poucos equipamentos — basicamente, uma mesa de som, microfones, transmissor, antena e um computador -, é possível colocar uma estação no ar.
A Anatel deixa claro que o espectro — conjunto de ondas eletromagnéticas que abrigam os sinais de rádio - é um bem escasso e, se não for protegido, pode acabar. O uso do espectro é administrado pela Agência, que concede as autorizações de freqüência de operação às rádios, evitando a superposição de freqüências comum quando uma emissora clandestina entra no ar. Sem o espectro individual, ela "rouba" o sinal de uma estação legalizada para conseguir chegar aos ouvintes.
Para conter a pirataria, a Anatel possui equipamentos que monitoram o espectro em todo o território nacional, identificando a presença de sinais estranhos. Mas, para dificultar a fiscalização, conforme ressaltou a assessoria, as rádios mudam constantemente de freqüência de operação.
Desta forma, driblando até mesmo a tecnologia, as estações clandestinas permanecem no ar por muito tempo. Também é comum as emissoras piratas serem fechadas e, logo em seguida, reabrirem em outro local e utilizando outras freqüências.
Geralmente, as operações são realizadas com o auxílio da Polícia Federal, que lacra a sala e os equipamentos. Tanto os agentes da Anatel quanto os da PF podem apreender os equipamentos sem a emissão prévia de mandado judicial. O aparelho transmissor geralmente é apreendido e encaminhado à perícia, como comprovação do crime.
As ações contra a pirataria na radiodifusão são mais centradas em Brasília e no entorno da capital federal. Somente em setembro do ano passado, 24 emissoras ilegais foram lacradas.
São consideradas piratas as emissoras de rádio que não têm outorga do Ministério das Comunicações para funcionar ou que não possuam autorização de radiofreqüência da Anatel, órgão ligado ao ministério.
Representantes do setor pedem mais rigor na fiscalização
Ao lado de temas como a digitalização do rádio e da TV, a pirataria no serviço de radiodifusão mereceu destaque durante o 8º Congresso Mineiro de Radiodifusão. Empresários da comunicação e representantes de entidades do setor querem mais rigor na fiscalização, que é feita pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e pela Polícia Federal.
O evento foi realizado na semana passada, em Belo Horizonte, pela Associação Mineira de Rádio e Televisão (Amirt). "A proliferação eletrônica da pirataria está sendo contida pelos órgãos competentes, mas a fiscalização ainda é insuficiente", declarou o presidente da Amirt, Milton Lucca de Paula. Para ele, o principal prejuízo gerado pelas rádios clandestinas não é o "roubo" de sinal e, sim, a veiculação de notícias que não correspondem à verdade e que pode ser atribuída a uma emissora comercial.
Milton de Paula ressaltou ainda a possibilidade de haver interferência do sinal nos sistemas de comunicações dos órgãos policiais. Segundo ele, no episódio mais recente de violência em São Paulo, liderado por integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC), os mentores das ações criminosas foram beneficiados por estações de rádios piratas.
Por parte da Polícia Federal, as operações de fechamento destas emissoras são desencadeadas quando há determinação da Anatel. Em fevereiro último, foram lacradas quatro rádios clandestinas que funcionavam num mesmo prédio, no Centro da cidade, mas nenhuma pessoa foi presa.
Conforme salientou o delegado Raul Alexandre Marques de Souza, os inquéritos ainda não foram finalizados por falta de conclusão das perícias. Ele explicou que os transmissores apreendidos são encaminhados para Belo Horizonte, onde passam por análise técnica de peritos da Polícia Federal.
O crime por manter no ar uma rádio clandestina é de pequeno potencial e, por isso, geralmente as rádios fechadas pelos órgãos do governo são reabertas pouco tempo depois. No caso das quatro emissoras de Uberlândia, a informação na portaria do edifício é de elas continuam fechadas.
Dificuldades
A burocracia e os favorecimentos no processo de outorga para o funcionamento de uma rádio comunitária podem ser fatores que motivam a proliferação das rádios piratas. A opinião é do locutor Sérgio Adão Ferreira, que tenta há alguns anos, sem sucesso, obter a autorização no Ministério das Comunicações.
Segundo ele, os entraves são muitos, mas, "se um deputado interferir, o processo anda". "Sem um padrinho lá dentro (no Ministério), a gente não consegue", afirmou. Com um gosto profissional ligado ao rádio, Sérgio Adão espera a liberação do governo para, de forma legal, voltar a atuar na área. Ele hoje trabalha com informática.
Normas determinam funcionamento de emissoras comunitárias
Além das rádios comerciais - que somam 12, entre AMs e FMs - e das emissoras clandestinas, em Uberlândia existem três rádios comunitárias: Cidade FM (104,7 Mhz), Restauração e Vida FM (104,9 Mhz) e Dimensão FM (105,1 Mhz). Este tipo de emissora possui autorização do Ministério das Comunicações para funcionar e, para não se tornar ilegal, é preciso cumprir uma série de normas. Uma delas é a não- proibição de vínculo com instituições políticas ou religiosas. Nas três unidades, predominam a programação religiosa e, pelo menos em duas delas, os diretores são pastores — Dimensão e Cidade.
Na Rádio Dimensão FM (105,1 Mhz), um slogan diz que a emissora é um "órgão oficial das Assembléias de Deus de Uberlândia". O diretor da rádio, pastor Eurípedes Meneses, disse que a emissora pertence a uma associação e possui autorização para funcionar. No entanto, ele reconhece que a programação não se enquadra no que o governo determina.
De acordo a legislação específica, os programas devem ser voltados para toda a comunidade e, para isso, deve contemplar a pluralidade de idéias. Neste requisito, Eurípedes Meneses disse que a emissora vai modificar a grade, inserindo informações e utilidade pública. "Na qualidade de comunitária, temos que mudar para estar dentro da legalidade", admite. As mudanças deverão ir ao ar a partir do dia 5 de junho.
Outra questão que foge das normas é a abrangência, que é limitada. "Entende-se por cobertura restrita aquela destinada ao atendimento de determinada comunidade de um bairro ou vila", diz o parágrafo 2º do artigo 1º da Lei nº 9.612, de fevereiro de 1998. A rádio Dimensão FM é localizada no bairro Tubalina e é sintonizada no alto do bairro Santa Mônica. No entanto, o diretor garante que os equipamentos de transmissão são adequados ao que consta na legislação.
Sobre os anúncios comerciais, também proibidos por lei, o diretor explicou que os estabelecimentos que fazem suas publicidades na rádio são apenas apoiadores culturais. Entre as empresas, está uma rede de supermercados. Segundo o diretor, os colaboradores fazem doações de R$ 50, R$ 100 ou até R$ 200. Os recursos, conforme ressaltou, são destinados ao custeio de despesas, como energia elétrica, manutenção e reposição dos equipamentos.
Quanto à freqüência utilizada para a operação, todas as rádios comunitárias de Uberlândia estariam irregulares. Conforme apurou a reportagem, as emissoras deveriam ser sintonizadas em 87,9 Mhz. O Ministério das Comunicações determina, em nível nacional, um único canal da faixa de freqüência para o serviço de radiodifusão comunitária.
Rádio comunitária — o que é:
Pequena estação de rádio, em freqüência modulada (FM), cujo alcance é limitado a um quilômetro, a partir da torre de transmissão.
Não pode ter fins lucrativos nem vínculos com partidos políticos, instituições religiosas, entre outras.
A programação diária deve conter informação, lazer, manifestações culturais, artísticas e folclóricas, sem discriminação de raça, religião, sexo, convicções político-partidárias e condições sociais.
Não pode inserir propaganda comercial, a não ser na forma de apoio cultural, de estabelecimentos localizados na sua área de cobertura.
Não podem pertencer a fundações ou associações que tenham vínculo — de qualquer natureza — com partidos políticos, instituições religiosas, sindicatos e afins.
É proibido o proselitismo de qualquer natureza (pregação de religião, seita, doutrina, idéia) na programação.
Para o funcionamento, é necessária uma autorização da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Ao contrário, a emissora é clandestina.
O descumprimento das normas previstas em leis é crime contra o sistema de rádio difusão.
Denúncias podem ser feitas pelo telefone 0800 33 2001.
FONTE: Ministério das Comunicações
Informação: Abert/ Telecomunicações - Correio - Uberlândia - Cidade